sábado, 11 de julho de 2009

desprendimento um: eu te procurava nas superfícies da casa. te derramava no tecido do sofá, te trincava no vidro da mesa. te dedilhava nos rasgos, te perseguia por todo caminho desfeito. eu encontrava uma continuidade de ti na ponta de tudo aquilo que se desmanchava.
um dia chegaste, e eu procurei os teus olhos. e não houve como encontrá-los, já que entre mim e eles havia a enorme distância dos meus. tu mal notaste o quão longe eu
estava de ti e eu fiquei pensando em como toda palavra dita era precedida por um silêncio e todo olhar, por um pouco de escuridão.

desprendimento dois:
é que, à nossa volta, tudo parecia recolhido em si, nada se tocava; entre tudo e qualquer coisa, havia uma distância, um lugar. "ser" me pareceu um enorme afastamento. "Ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão".
eu não te alcançava, porque tu sempre serias um nome, um significado. eu te chamava amor, mas era só pra resumir, pra te encontrar em mim. queríamos invadir-nos, ansiávamos pela profundidade e por isso toda vontade de pele, de toque, de tato.


desprendimento três:
tentávamos nos rasgar com unha, braço, dente, mas continuávamos vagando, cegos, pela mesma superfície. quando chegaríamos ao fundo? - tocavas meu rosto com o teu e me contavas teu dia - havia um fundo a ser tocado? ou até mesmo ele, quando perdesse a beleza da distância, deixaria de ser profundidade?

desprendimento quatro:
só mais tarde descobri que era preciso insinuar densidades, ensaiar o mergulho, sem jamais empreender a queda. abrir um caminho que nos levasse ao dentro e apenas margeá-lo. manter o indizível, morrer caminhos fáceis, desfazer-se do junto, adensar o silêncio. descontinuar.

descontinuar.

sábado, 30 de agosto de 2008

Enquanto a primavera não vem, eu sinto o sol voltar a brilhar forte, eu sinto o fim do inverno em mim, eu sinto o cinza e o azul darem lugar ao vermelho-púpura. Enquanto a primavera não vem, eu te separo de mim, eu te transformo em pessoa de novo, eu te desenho em papéis do dia de ontem. Enquanto a primavera não vem, eu aprendo a gostar dos ciclos, eu me encanto, eu me pego sorrindo, um sorriso que aprendeu a ter consistência, a ter substância. Enquanto a primavera não vem, eu gosto das novidades, eu gosto de sentir o friozinho na barriga, eu danço embalada pela leveza. Enquanto a primavera não vem, eu me surpreendo, eu me preparo pro mundo, eu não acredito mais na decepção. Enquanto a primavera não vem, eu acredito mais no cotidiano, eu volto a perceber as cores ao meu redor, eu continuo a mesma de sempre. Enquanto a primavera não vem, eu sinto o conforto-incômodo, eu recomeço, eu amo os clichês, eu aprecio a quietude. Enquanto a primavera não vem, as palavras voltam a sair de mim aos poucos, serenas, comedidas. Enquanto a primavera não vem, aprecio a clareza, as luzes por trás das nuvens, o cinza não me atrai mais. Enquanto a primavera não vem, eu quero o calor, quero o pulsar apenas meu, quero o aconchego do que já conheço misturado ao desconhecido de cada dia.

Enquanto a primavera não vem, as flores vão brotando em mim, devagarzinho...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Das esperas desfeitas, a mais doce. Dos desejos contidos, o mais intenso. Venho aqui admitir que faltam-me palavras. Elas, para a minha surpresa, ficaram feias demais para tudo isso. O sentimento que se torna pleno, na sua forma mais pura. As músicas soam diferentes. São as mesmas que sempre ouvi, mas agora parecem novas, tem uma doçura inexplicável nelas, que me inunda, me faz rir, me traz lembranças, me traz sorrisos, me traz as estrelas na janela das noites frias. Cenas em close, minhas mãos nas tuas costas, cada sinal, cada pintinha, eu poderia contar todas, uma por uma...o teu sorriso desperta o melhor que há em mim, teu olhar encontrando o meu me traz uma paz, uma segurança, eu não preciso mais das palavras, eu amo o silêncio nesse momento. Zoom, tua respiração mistura-se com a minha, tua voz no meu ouvido, teus sussurros, nossas peles se encostam, me faz sentir arrepios, quero me tornar tua, só tua, eu sou o outro ser ao conjunto teu. Afasta, meus olhos voltam-se para as luzes da cidade, para as ruas que passamos durante as madrugadas, para o rio, os trevos, as casas, para o parque, a varanda, a beira da piscina, o muro branco, o corredor, o elevador, tua cama, o cobertor branco, tua parede, o dia amanhecendo. Não dá, eu já falei que as palavras não funcionam mais para mim. Logo eu, que já precisei tanto delas....
És meu silêncio mais alto, fazendo-me acreditar que há amor dentro de mim. Meu corpo grita por ti, pede-me para eu deitar ao teu lado, pede-me tua mão entre os meus cabelos e o teu cheiro na minha pele de novo e de novo e de novo... Mas és infinito em mim, ocupas todos os espaços, te encontro aqui dentro todos os dias e é por isso que eu digo ao meu corpo: acalma-te! Domina essa saudade, torne-a leve, entregue-lhe asas. Deixe-a voar, deixe-a dissolver-se, até que ela se transforme em espera novamente. A espera que agora é sossego, conforto, porque já te chamei de meu, já te amei da forma mais linda que conheci, já te pintei de azul em mim.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Aquelas noites mal dormidas

A hora de dormir deveria ser sagrada, deveríamos todos os dias praticar pequenos rituais antes de nos deitarmos, para tirarmos o maior proveito possível desse momento de descanso da alma, do corpo, mas também de encontro com nós mesmos.
Isso é conversa para aquelas revistas de saúde e bem-estar que a gente vê por aí...

As noites aqui me convidam ao meu mais profundo imaginário, as entranhas dos meus quereres, as bifurcações de todos os caminhos que me esperam. Anoitece e minha cabeça amanhece. A cama é palco das minhas lamentações, dos meus choros sem consolo, dos meus maiores desejos, das minhas vontades contidas, das minhas tramas mal planejadas, das minhas incertezas, do futuro que roda na minha cabeça como um filme sem nexo, com roteiro bruto, nada está pronto para ser executado e filmado. Precisa do maldito Tempo.
Ah, o Tempo...o personagem principal. O meu roteiro é escrito baseado nele, para ele, vem dele, é ele. Ele parece que me induz, manipula, faz o que quer. No fundo, sei que eu devo ser seu personagem principal e ele me escreve. Me desenha, me molda, me leva a lugares amplos e estreitos, me prepara, mas para o quê? Na noite procuro essas e outras respostas, me debato, minha mente passeia pelos mais delirantes e poderosos pensamentos, anseio. Anseio pelo que virá, por ti, por tua pele encostando na minha, por teu olhar penetrando no meu, devagar...
Não durmo, só sinto...sinto que o Tempo pára por essas horas com seu jogo indefinido de ser personagem, ser autor e me deixa mandar, plena, rainha de mim. Me satisfaço, mesmo sem o sono, sem o descanso do corpo e da alma. Minha alma vai embora, voando.
Amanhece, ela pousa, densa, carregada, a espera do dia para esvazia-la.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Isso ninguém me tira.

Me dou ao luxo de vim aqui dizer que a vida tem muito mais pra dar. E também que tem certos pilares que nos sustentam, after all. E que esses pilares, estão dentro de nós. Baseados e construídos a partir das nossas certezas, que algumas vezes são poucas, mas elas existem sim...no fundo, sabemos o que nos faz bem sem ter porquê.
Não existe uma lógica ou muito menos pessoas envolvidas nessa situação, é uma questão individual. A ninguém pertence, a ninguém interessa, a ninguém é dado o poder ou direito de interferir, ninguém te tira. Ouviu o que eu disse? Isso nunca vai ser abalado, e eu tenho a segurança total de usar este advérbio de negação aqui com toda a força. Nunca.
Eu não falo do livre arbítrio, das nossas escolhas, nem de alguns sentimentos bonitos que nutrimos pelas pessoas. Falo do concreto que existe em nós. Do que nos faz sentir a felicidade mais pura e clandestina de todas, o que nos faz pulsar, o que nos faz acreditar, o catalisador da existência de cada um. Em alguns momentos, esquecemos, perdemos o foco, nos dizemos perdidos, sem perceber que apesar de todos os desvios, o nosso caminho tem direção.
E que os óbstaculos, são meros detalhes, meros... eles apenas nos lembram de quem nós somos e principalmente, do que nos faz ser.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Meu inferninho.

Tem essas horas que simplesmente largo o meu lado auto-suficiente, com ares de tranquilidade e corro para ti. Paro tudo que estou fazendo e procuro as coisas todas que me lembram de você, faço delas o meu refúgio. Rodo pelo mundo, vivo a minha rotina, encontro e desencontro, sou várias. Até que chega a hora do descanso, do aconchego, e minha cabeça que girou o dia inteiro só consegue encontrar o seu eixo nesse momento.
Me vens aos poucos, primeiro aquela vaga lembrança do seu olhar, daquela sua blusa branca...um sorriso começa a estampar-se no meu rosto sem pedir licença. Involúntario o bem que tu me faz. Em seguida, me tomas por completo. As imagens e a sua voz começam a fazer uma mistura na minha cabeça, ouço "nossas" músicas. Elas tocam sem parar aqui, enquanto a minha vontade de gritar o quanto o meu gostar por ti aumenta a cada dia faz-me sentir prepotente diante da nossa situação. Queria embrulhar todas as coisas boas do mundo e te dar. Só tenho pensamentos bonitos, sinto-me leve e ao mesmo tempo necessitada de uma convivência maior contigo. Te crio aqui dentro, junto de mim, te vejo do meu jeito. Mas preciso desesperadamente de te ter todinho, como és, com tuas manias&hábitos, tuas caras de sono, tuas reclamações e tua voz falando no meu ouvido.
O limite tênue entre tu ser aconchego e eu te querer possessivamente para mim, é perigoso. Mas tu me surpreende, de novo e de novo e de novo e de novo e de novo. E vejo que ainda tenho tanto para saber, conhecer e explorar em ti, que isso me conforta...temos todo o tempo do mundo até que tu não serás apenas uma vontade imensa contida aqui, serás grande. Ocuparás todo os espaços em mim do mesmo jeito que as estrelas ocupam os do céu: infinito.

segunda-feira, 24 de março de 2008

No hero in her sky.

Não estou conseguindo organizar minhas idéias. Elas partem do princípio de que eu preciso ser salva de alguma coisa. Mas do quê exatamente? De mim mesma, talvez. Caio já me diria "O caminho é in, não off." Eu bem não sei disso...
Mas aí é que tá, não é para isso que os heróis servem? Para nos tirar de uma situação de apuros quando a gente menos espera? Para nos salvar, livrar do mal. Pena que no meu caso, isso seria inútil. É uma guerra interna de titãs, daqueles do Hércules, medindo forças, impedindo os meros mortais de entrarem para interferir. Sim, eu já aprendi que posso lidar com esses titãs sozinha, já aprendi que as pessoas não tem nada a ver com isso, nada mesmo. Mas todo esse aprendizado, não anula o fato das minhas ilusões e dos meus desejos serem tão fortes quase o tempo todo, me tornando cega e letárgica, mergulhada nesse mar de possibilidades abstratas. O mais preocupante de tudo é que eu sei, eu tenho todo o conhecimento necessário e mergulho por opção. Eu escolho ir até o fundo, até onde tudo fica embassado e não consigo mais distinguir o que quero do que realmente preciso. Acontece que a única coisa restante é o presente, o agora, aqui. A solução estampou-se na minha frente da maneira mais sutil possível: Tenho que parar de sentir pena de mim mesma, não tenho tempo para isso. Não mais.

Comecei a conjugar um novo verbo:


Eu construo
Tu constróis
Ele constrói
Nós construímos
Vós construís
Eles constroem

E digo mais, no presente do indicativo! Como deve ser.