sábado, 11 de julho de 2009

desprendimento um: eu te procurava nas superfícies da casa. te derramava no tecido do sofá, te trincava no vidro da mesa. te dedilhava nos rasgos, te perseguia por todo caminho desfeito. eu encontrava uma continuidade de ti na ponta de tudo aquilo que se desmanchava.
um dia chegaste, e eu procurei os teus olhos. e não houve como encontrá-los, já que entre mim e eles havia a enorme distância dos meus. tu mal notaste o quão longe eu
estava de ti e eu fiquei pensando em como toda palavra dita era precedida por um silêncio e todo olhar, por um pouco de escuridão.

desprendimento dois:
é que, à nossa volta, tudo parecia recolhido em si, nada se tocava; entre tudo e qualquer coisa, havia uma distância, um lugar. "ser" me pareceu um enorme afastamento. "Ninguém é eu. Ninguém é você. Esta é a solidão".
eu não te alcançava, porque tu sempre serias um nome, um significado. eu te chamava amor, mas era só pra resumir, pra te encontrar em mim. queríamos invadir-nos, ansiávamos pela profundidade e por isso toda vontade de pele, de toque, de tato.


desprendimento três:
tentávamos nos rasgar com unha, braço, dente, mas continuávamos vagando, cegos, pela mesma superfície. quando chegaríamos ao fundo? - tocavas meu rosto com o teu e me contavas teu dia - havia um fundo a ser tocado? ou até mesmo ele, quando perdesse a beleza da distância, deixaria de ser profundidade?

desprendimento quatro:
só mais tarde descobri que era preciso insinuar densidades, ensaiar o mergulho, sem jamais empreender a queda. abrir um caminho que nos levasse ao dentro e apenas margeá-lo. manter o indizível, morrer caminhos fáceis, desfazer-se do junto, adensar o silêncio. descontinuar.

descontinuar.

Nenhum comentário: